Encontrei-o na Biblioteca de Arte da Fundação Calouste Gulbenkian. Sorriu-me e por entre as várias mesas murmurou, para que lhe lesse os lábios: «foi meu professor». A caminho da estante dos dicionários, por causa de palavras em italiano antigo que se podem reconstituir através do latim, fui falar-lhe. Tirara o curso de Direito, mas orientara-se para a estética, trabalhava agora num dissertação sobre o inútil na Arte.
Tentando encontrar um território comum e como se a justificar-me por estar ali, disse-lhe que havia começado «em tempos» uma biografia da Sonia Delaunay. «E há também o marido», respondeu-me. «Sim, o Robert», respondi-lhe.
Na hora de ir, veio apertar-me a mão. Disse-me algo como um «bem vindo aqui», semelhante a um «ainda bem que não se perdeu por lá».
Esta madrugada lá terei mais uma noitada de escritório, a dormir três horas, para conseguir não falhar naquilo em que os outros dependem de mim. Ele segue como se no salva-vidas, a esperança de que seja possível a salvação neste mundo, se não através do justo, pelo menos através do belo.