17.10.08

Eu, o outro, e ele

O que é a verdade do nosso ser? Às vezes a vida faz-nos pensar nisso, outras vezes descobre-se isso vendo a vida dos outros. Hoje foi por causa de o outro que era eu, que é assim que se chama um livro do Ruben A. e é assim que eu o sinto cada vez que me abeiro de um livro seu. Consegui ler mais umas folhas de O Mundo À Minha Procura, a auto-biografia. Comecei pelo volume segundo, talvez pela ideia que só vale a pena conhecer o que é quando passou a fase de estar a ser. Dei com ele a «lutar contra ser peludo, mal saibrado por uma natureza em que decerto havia muito mimo», ele «sempre extrovertido, animado, dador do sangue que me corria na alma, cometendo indiscrições». Vim aqui escrever isso e reler, reler para não estropiar o dito pelo modo de dizer. Solene, apesar de duas vezes ter escrito a palavra «ele». Não se diz «ele», jab. Eu sei. Foi só desta vez. Estou com preguiça de emendar. Esta sim, a preguiça, é a natureza verdadeiramente actual do meu ser. Talvez por doer ainda um pouco a cabeça. Figuradamente, claro.

15.10.08

A arte de escrever

De súbito é um sentimento de pudor que toma conta de nós. Tal como os que fazem profissão de fé em nunca receberem uma condecoração, os que renegam o dito complacente e antecipadamente legitimador desta água nunca beberei. Trata-se de uma exigência que não vem dos alçapões da ética, onde crocodilos maldosos se passeiam impunes ao lado de gazelas duvidosas, é antes uma imposição da estética, o horror ao feio, que desdenta, ridiculariza, apouca.
Preso nos torvelinho das palavras, enredado nos sentimentos que as reclamam e nas confusões que elas geram, desconexo na morfologia e incapaz nas concordâncias, há um homem que no meio da livraria da vida, na labiríntica biblioteca de Babel da sua existência, decide num gesto irreflectido o seu destino. Indiferentes, no vai-vém dos escaparates e das montras, entre sobras e reposições, esgotados uns na síncope do fora do mercado, muitos outros estirando-se em reimpressões como um gato molemente espreguiçando a sua melancolia, todos esses que são o mundo de papel de um viver imaginário, assistem.
Talvez um bocejo antológico pontue a indiferença livresca dos compêndios necessários ante tudo isso, ou o ruminar impaciente de um romance denso, trágico e consagrado ou, quem sabe, uma lágrima narrativa de um conto avulso, dor de columbina poética ante o seu arlequim prosaico, talvez assim se assinale a morte ficcional do que poderia ter sido mais um na arte de escrever.

3.10.08

O papagaio e as gralhas!

A princípio irritei-me por fazer tantos erros ao escrever. Pensei que era dislexia, deficiência que sempre tem algum chic. Depois, tentaram demonstrar-me que era excesso de inteligência. Estúpido, desconfiei. Hoje, ante o enésimo tropeção nas canelas da ortografia, enfureci-me, a ponto de mandar a escrita às urtigas. Pela tarde, frio, vingativo, mau, eis a decisão final. Mudo de estilo! Por isso, aqui vai esta nova forma de exprimir com correcção e adjuvante onomatopeica: joolpoo3e84edhdjede3´+d3«i3dyuededkoy45wskp+ddopd3lop.çºç+piiyerwgkp++09887 e assim sucessivamente! E que ninguém se atreva a dizer que dyuededkoy não se escreve assim, que eu mordo!