24.5.09

Fantasia em ai menor!

Coitadinhos dos escritores de ficção, pobrezinhos dos romancistas que são os que ficcionam em extensão, ai dos novelistas que ficcionam concentradamente. Tristes todos. Dão dó e fazem pena. E porquê esta lamúria em ai, como diria e bem o Mário Viegas que outro dia vi no blog da Fernanda? Por terem de inventar fantasias que há tome por realidades, personagens que há quem assuma serem pessoas. Escrevem sobre a terceira pessoa e são lidos como se falassem da segunda. Pensam como se fossem o outro e há quem pense que o outro são eles. Tristes, pois, coitados, pobres deles. A minha compaixão em ai para esses condenados a não terem ilusão. Para muitos leitores é como se cada linha fosse um remoque, cada página um acto de rancor. Ai!

9.5.09

A possibilidade de olhar

Hoje estão nuvens escuras, diluídas num céu opaco, uma luz de prata ferindo a possibilidade de olhar. Ainda haver calor, o sol qual laranja jorrar o seu sumo de cor inundando-nos a pele, tudo isso parece estar em suspensão. Olho para o relógio como se pudesse estar por horas.
Nasci numa terra em que havia só duas estações. Já era adolescente quando aprendi, ao sentir, o que era haver o renascer da Primavera, seguir-lhe o incêndio do Verão, e ser o Outono a preparação melancólica para o recolhido Inverno. Foi na meia idade que tudo se transmutou para haver já só tempo quente e tempo frio. Agora já nem se sabe. É Primavera e faz frio, há dias de Verão em que o gelo nos paralisa o coração. Hoje é a quietude da Natureza estar, enfim, em nós.

4.5.09

O grito

Há vidas escravizantes: são aquelas que, por serem isso, roubam o tempo em que se poderia ser outra coisa. Mas há vidas que são elas próprias a escravatura: são aquelas em que, ao sermos essa outra coisa, é como se deixássemos de viver.
Uma pessoa tem uma profissão e não tem tempo para ler: os amigos compreendem e talvez lastimem. Uma pessoa tem uma profissão e lê um livro: os amigos não compreendem, preocupados, como é possível estarmos a descurar as obrigações.
É este o triste destino da cultura para os que não vivem da cultura: ou é um desperdício de tempo pelo qual nos censuram, como a um perdulário o excesso, ou uma perda de tempo pela qual nos criticam, como a um pobretanas a preguiça.
Sente-se às vezes pudor ao dizer «acabei de ler este livro». Mas, para se ser verdadeiro, não há menos ganas de gritar, em certos dias de raiva, na Praça da Incompreensão, para que ouçam mesmo os que não falam: «acabei de ler a Biblioteca de Alexandria. Há cinco minutos. Em Braille. Eu seja ceguinho!».