31.12.14

O tempo e o sussurro

Acordei rompante de alegria e ronronante de preguiça. E estava frio, muito frio. E diz o calendário que acaba o ano e na rua, ao Sol, os humanos locomovem-se para estarem em outro lugar neste dia esta noite, muitos humanos mesmo e motorizados pelo ruído que me chega, sibilante, ao quarto provindo, pelas ténues janelas, da rua em frente.
E aninho-me no aconchego de mim que é forma que há de nos darmos o macio mimo do conforto.
Há no tempo a linearidade superficial que encerra anos ao mudar o dia pelo passar da hora. É por isso que existe a meia-noite do dia trinta e um Dezembro e o próximo ano terminará em cinco e somará oito. Mas existe no tempo a profundidade densa a que nem pelas sensações se chega mas pelo convocar de todos os sentimentos. O tempo subterrâneo que não se mede, contínuo, infraccionável.
Protegido agora da dor porque no interior do círculo mágico que a giz desenhei na minha vida, concito-os, sim, todos os demónios da adversidade, da decadência, da incapacidade, do escárnio. Nenhum se atreve, em nenhum espelho se reflecte o seu horror.
Acordei porque o dia começa e a Natureza murmura do prazer o sussurro.