13.2.08

Fazer de conta

O meu admirável mundo novo é andar com o computador atrás, como os que sacam da algibeira os cadernos Moleskine. Com uma diferença. Alguns desses fazem-no por petulância, porque na lojita aqui por debaixo de onde eu moro, ao lado da frutaria, há cadernos escolares a oitenta cêntimos, que servem muito bem, menos claro o «chic», para apontar o que eles anotam.
O meu computador é diferente. Vale como instrumento de trabalho, é, como nos antigos operários, a mala das ferramentas, a chave inglesa, a de bocas e a de fendas, a torquez, a verruma, e o formão, a plaina, o nível e para a justa proporção de tudo, o esquadro, o fio-de-prumo, a régua em centímetros e polegadas.
Claro que há também, a mítica mala de executivo, de dentro dela, já a cair em desuso, a indispensável calculadora científica, o filofax, o bloco-notas em papel amarelo e, é evidente, a edição europeia do Wall Street Journal. Nesse aspecto um palmtop joga isso nas velharias do outro século.
Mas não pensem é mal do meu computador! É através dele que eu chego ao ciber-espaço, e dele regresso, é dele que me abeiro quando quero companhia e dele que me escondo quando exijo respeito pela minha solidão.
Claro que às vezes, como ontem, pensei muito, li tanto e não escrevi nada. Uma coisa sucedeu, para além da via ferroviária que é agora parte da minha. Ele pesou-me o dia todo, um pouco no braço, pois é portátil, mais na consciência, porque, ao fim do dia, nem sabia o que tinha feito.
Escrevo hoje, dia 14, com data de ontem, só mesmo para criar a ilusão de que estive cá. Não engano ninguém, nem a mim próprio. É só mesmo para fazer de conta.