10.2.08

Os maus momentos

A princípio as pessoas escreviam cartas, postais, por vezes telegramas. Manuscreviam, emendavam os erros, riscando as palavras, entrelinhando o que tinham esquecido, acrescentando um «em tempo», um «post-scriptum», para complementar uma ideia, rectificar uma expressão. Nesse tempo havia pessoas que passavam a limpo os rascunhos das suas cartas, as que copiavam minuciosamente tudo o que haviam escrito, para ficarem com memória. Era um tempo em que o aguardar pela resposta fazia parte do acto esperançoso de escrever.
Depois, com a informática veio o tempo real, em que a resposta podia surgir segundos depois da escrita, como se a reclamar uma nova resposta. Com a internet, veio o chat e, ao abrir de um computador, temos a fila dos nossos amigos, daqueles com quem trabalhamos, dos familiares que nos escrevem, todos a saber que estamos ali, a reclamar a nossa presença, com as suas perguntas, a sua necessidade de conversar.
É um tempo em que os sentimentos são surpreendidos, as intimidades não podem ser dissimuladas, os recônditos do humano à mercê de serem devassados. É uma época em que o não responder logo abre a porta ao «que se passa?» inquisitivo.
Não estar on line passou a ser um motivo de preocupação, como quem, nos tempos idos, passava por uma casa às escuros e na ausência de luz intuía a morte dos seus habitantes.
E depois somos nós, ansiosos de companhia e desejosos de sermos prestáveis, a imiscuir-nos, quantas vezes sem um «com licença» pela vida dos outros, risonhos quando estão tristes, desesperados quando eles precisavam de estar contentes, palradores quando eles querem a solidão.
Aprende-se sempre à nossa custa o valor do silêncio, como a beleza do abrir de uma carta pensadamente escrita e que espera uma resposta cuidadosamente redigida. Aprende-se, sobretudo, sempre à nossa custa, a trancar-nos por dentro. Sucede às vezes nos maus momentos. Pena é que seja assim.