15.2.08

O ritmo aconchegante

Carapaus, sim, carapaus mesmo, dois, grandes, frescos, grelhados, salada com pimentos e sem alface, batatas se quiser, talvez azeite, ajuda se for preciso, e cebola em rodelas, o sal tempera, vem à parte, como gostar. Vinho em jarro, beba tinto, ainda há e uma fatia de broa, a sopa não é de nabiças, não senhor, são nabos mesmo e a laranja não vem descascada. No final meu senhor são oito euros e mais dez cêntimos. A sua cara não é estranha, ficam dez, muito obrigado, talvez da televisão, ia jurar, não vai mais um cafézinho?
Talvez hoje ao jantar me tenha associado a qualquer mundo que julga conhecer e a que me julga pertencer inteiramente. Mas hoje, pelo meio dia e meia, sobrava-lhe aquele desconhecido que inesperadamente lhe apareceu, cansado e com vontade de almoçar.
Na mesa ao lado dois factores e um fiel de armazém comentavam umas iscas que se comiam numa tasca de galegos, de porco jurava um, de vaca insistia outro, pela alma do meu falecido pai se eu não me lembro, tanta vez que lá fui, entaladas num papo-seco, um copo de três, a vinte e cinco tostões.
Aos quarenta cinco regressava, ressonando simplicidade, a angústia que a cabeça fabrica e o coração sofre a digerir-se beatífica, «o ritmo aconchegante do pouca-terra», rumo aqui, à noite insone, ao cérebro em eterno movimento, mudando agora de agulhagem pelas transvias do mundo que há para viver.