15.7.07

A silhueta

Primeiro, era o modo de vestir e o vestido, a maneira de sorrir e o sorriso. Depois era o rosto por debaixo do sorriso, a pele por detrás do vestido. Enfim, as ideias que a cabeça albergasse, os desejos que o corpo exigisse. Estava na janela de um café, como se na amurada de um navio, à balaustrada de uma varanda. Voltei ao princípio, agora pela ordem inversa, cabeça primeiro, rosto depois, sorriso, enfim. A cada uma das coisas, juntava outra. Momentos depois, entre sorrisos e desejos, mais um café, se faz favor também se usa, perguntava-me o que é a essência e a circunstância, o substantivo e o qualificativo. A criatura, entretanto, soergueu-se, como se soerguem as demais criaturas. Um sentimento de vulgaridade envolveu-lhe a silhueta. Ao cruzar-se com a porta voltou para trás. Por momentos o mundo ficou em suspenso. Ao tique taque do meu relógio interior, recomecei, do modo de vestir ao despido, do modo de sorrir à gargalhada estridente. Desventrado no meu ridículo, sentia-me como se diante do absurdo. Era, porém, o meu dia de sorte. Nada daquilo tinha a ver comigo. Regressara afinal por causa dos cigarros, eu que não os fumo. Esqueci-me deles, ainda me disse, como se em justificação para ter voltado, não fosse eu ter ilusões.