Finalmente eis-me a acordar tarde numa manhã de sábado, sem a sensação de pecado, e a voltar à leitura do Manuel Laranjeira, ao seu «Diário Íntimo». Laranjeira, médico em Espinho, manteve uma relação íntima com um singela rapariga de superficial instrução e profundos sentimentos, chamada Augusta, a quem dedicou a sua torturada alma e os seus «nervos infelizes».
Tudo isto sucedeu ante o escândalo da burguesa sociedade local e o olho invejoso das preteridas outras, muitas casadas com conveniências públicas e esfaimadas por oportunidades secretas.
Foi ao voltar uma folha desse livro antigo, impresso em 1957 pela extinta Portugália, que me cruzo com um enunciado do evanescente conceito que é o amor.
Foi no dia 31 de Julho de 1908, uma sexta-feira. Falando de banalidades, brincando às escondidas o jogo do bem-me-quer-mal-me-quer que é o peguilhar infantil do querer adulto, ele diz-lhe e anota o dito: «Tu já não és tu, és uma parte de mim mesmo».
Talvez haja tratados sobre o que é amar, mas não uma frase assim que simbolize o estar enamorado, mesmo ante a «imperfeição das almas».