Lentamente vamos encerrando a sociabilidade indiferente, como quem deixa de levar na bagagem a muda de roupa que jamais mudará. Depois, vamos libertando os intímos da obsessiva presença de nós, devolvendo-lhes a cómoda ausência da nossa memória, como quem meticulosamente rasga amarelecidos retratos de um tempo em que se era feliz. Ficamos, enfim, reduzidos aos que herdaram a nossa presença, como quem se dá conta dos móveis que tem em casa por um dia os ter escolhido. Em noites de insónia nota-se mais o que nos falta, por não se conseguir sequer sonhar. Restam os dias de trabalho, em que o espírito se narcotiza na alucinação do esgotamento. Chega-se a um momento e está-se só, o firmamento por testemunha, a vigília interminável. Há quem escreva para vir dizê-lo, há quem, mesmo escrito, jamais o consiga entender.