Folheei-o, ontem, ao livro da poesia completa do Anrique Paço d' Arcos de que a Imprensa Nacional deu à estampa agora a segunda edição. Li-as, às breves memórias literárias que escreveu e com as quais os organizadores em boa hora decidiram iniciar o volume. E não é que nelas encontro, na última linha exactamente a mesma frase biblíca que ao findar o dia, li num conto do Borges sobre «a seita dos trinta», a admoestação de Jesus: «deixai que os mortos enterrem os mortos»! Talvez esta frase coincidente seja um repto contra as inúteis pompas funerárias, talvez possa ser o retrato pestífero de um mundo acabado, ao qual, afinal, ninguém sobreviveu. Sentado na cama, embrulhado num cobertor, ouço, longínquo, o latir premonitório de um cão, a estridente sirene das ambulâncias aflitas, da ilusão de vida que é o hospital na rua em frente