6.12.08

Disse-mo um passarinho

Talvez espante mas comprei, um após um, os quarenta e cinco volumes das Obras Completas do «Lénine», naquela impressão encadernada tirada pelas Edições do Progresso na então União Soviética. Os meus na versão francesa com apresentação do entretanto amaldiçoado Roger Garaudy.
Os últimos tomos são dedicados às cartas. Lembro-me, curiosamente, menos do teor de O Estado e a Revolução, ou do Que Fazer?, mas recordo-me das cartas que Vladimir Ilitch Oulianov escreveu à família, sobretudo a partir do seu exílio na Sibéria, aonde fazia chegar livros que encomendava, através da irmã, vindos por empréstimo domiciliário da Biblioteca da Ordem dos Advogados em Moscovo.
Numa dessas cartas dava conta de um exercício mental, indispensável para a boa saúde do espírito: tal como na ginástica, nem sempre correr, nem sempre a passo, nem sempre em flexões, também para manter o intelecto em forma, ler, escrever, traduzir, rever, em suma, variar.
Lembrei-me disto hoje que iniciei a tradução de um livro. Ao fim de cinco páginas sem dicionário, lendo a história como ninguém a lê, palavra após palavra, sentindo vontade de a ter escrito, aqui e além para revê-la, cheguei a casa desejoso de um pouco de ar puro, apetecendo uma sesta e com ela o nada fazer. Cruzei-me na vinda com um melro, luzidio, bicando laranjadamente, saltitando, espojando, esvoaçando. Descontadas as asas, estamos iguais.