23.12.08

Bom Natal!

É Natal. Está quase aí o Natal.
Natal para todos, os que não querem Natal e os que fogem do Natal.
Natal para os que julgam que Deus vai nascer e os que acreditam que Deus já está morto.
Natal para os que renovam a esperança num Deus menino e os que já só têm fé num Deus velhinho. O Natal dos sem abrigo da caridade alheia, do afago próximo, do aceno longínquo. Natal de se a carta chegar a tempo, Natal com saudades de casa e esperanças de sair para fora de casa. Natal em que a dor dói mais por ser Natal.
Natal para os que recusam o mistério de um Deus divino por ser crime haver Deus e este mundo paganizado. Natal de um ano de horror de um demónio impune.
Natal sem Deus, para além de qualquer Deus.
Natal para os que sofrem a dor alheia, para os indiferentes com a própria dor.
É Natal. Natal para os que se sentam silenciosos entre a sua família e nos intervalos da sua ruidosa indiferença, porque há jantar. Natal para os que já são avós dos que sempre festejariam ruidosamente o Natal, mesmo que não houvesse jantar.
Natal com árvore, com presépio, Natal sem uma flor sequer, uma luz.
Natal para os que se escondem em silêncio nos intervalos das famílias alheias. Natal dos separadas, dos que já não conseguem ninguém. Natal para os filhos de pai e de mãe e de padrasto e de recém-chegado, Natal para os que repetem tantos Natais quantas as separações.
Natal dos que já não acreditam que seja possível um homem separar-se mais.
Natal carregado de surpresas, prendas, lembranças e guloseimas. Natal com Pai Natal. Natal de uma cornucópia doce de coisas tão boas, que eu já fui pequenino e soube que era assim, com sabor a açucar, o ser Natal.
Natal para quem está de turno, de sentinela, de quarto de vela. Natal com uma garrafa de conhaque, Natal com lágrimas na hora de ser Natal, com a cara feia, Natal a dormir, Natal a olhar para o infinito de nada, Natal na janela, na amurada, no cubículo, na interminável rua. Natal de magoar a felicidade de ser Natal.
Natal para os que foram e já não lembram os que ainda estão. Natal para os que evitam lembrar.
Natal de jantar cedo e acabar tudo antes da hora mágica de mudar o dia.
Natal da meia noite.
Natal com os vizinhos solitários, os amigos despegados, Natal do porque não pois é Natal. Natal de um abraço que dura um dia, o dia de ser Natal.
Natal de ter tido já todos os Natais em que é possível haver Natal, Natal com os meus, com os outros e com os dos outros. Natal a substituir Natal, Natal em vez de Natal.
Natal a tomar de empréstimo, como uma fantasia barata, a máscara de um qualquer Natal.
Ah! mas como no dia seguinte a terra amansa e parece domingo de manhã. As ruas estão sozinhas, pelos cafés esgravatam os que vivem sós e os que fazem de conta, por vergonha, que também tiveram Natal, os que não conseguiram fugir da ideia amarga de que há Natal.
A todos, todos, incluindo os felizes, os de alma pura e sentimentos nobres, os que juntam em torno de si a simplicidade de uma vida que a vida não corrompeu, perpetuando o sorriso das crianças, aos que estão bem e riem e trocam prendas e mimos e beijos, aos que não conheço, aos que nunca me conhecerão, um Bom Natal!