Já perto da minha casa, quando a chuva nos fez separar, o meu amigo que é sábio explicava-me, recalcitrante com o português usual, como hoje se abusa do possessivo verbal, sem sentido. O exemplo podia ser o escrever «a sua vida», em vez de «a vida dele». Cheguei a casa com a ideia na cabeça. Claro que há sempre uma densidade filosófica por detrás de cada palavra. Realmente, é despudor dizer-se «a sua vida» falando a alguém quanto a algo que não lhe pertence. E não preciso invocar o Santo Nome de Deus em vão. É uma verdade que os apaixonados conhecem com o coração, sentindo-a, antes de a compreenderem, pensando-a com a cabeça: «a sua vida» perderam-na, ao entregarem-se ao ser da sua paixão. Nalguns casos vivem possuídos, em outros possessos.