Eu assino-o regularmente, recebo-o a tempo e horas, raramente o consigo ler tanto quanto desejaria. Este sábado, ao fazer o balanço do que foi a minha semana, em que a vida profissional devorou as entranhas do meu ser, decidi-me a lê-lo. E vi nele, no TLS, que a prestigiada Bloomsbury editou um livro extraordinário, a biografia de um holandês falsificador de quadros chamado Hans van Meggeren. O seu ponto de máxima glória foi fabricar fictícios quadros de Johannes Vermeer, fazendo-o com a interiorização psicológica de ser o próprio, pintando o quadro que o Mestre apenas não pudera pintar. A história deve ser hipnótica, mas o ponto mais tocante tem a ver com o paradoxo do real inacreditável. Quando a Segunda Guerra terminou van Meegeren foi preso, acusado de colaboracionista: um quadro seu fora encontrado entre o espólio apanhado a Hermann Göring, o Reichsmarschall do III Reich . Os Aliados pensaram que se tratava de um tesouro nacional que Meegeren vendera aos nazis. Na verdade, o quadro era falso. Acusado criminalmente, só lhe restava dizer, ao menos uma vez na vida, a verdade. Declarou que o pintara em 1942. Ninguém acreditou. O quadro chamava-se ironicamente «Cristo e a Mulher Apanhados em Adultério». Ninguém acreditou. De facto, há vidas que não dá para acreditar. A vantagem de se mentir quando, vivendo dúplices, somos sempre o outro, é que as pessoas preferem-nos assim.