30.3.06

O ponto

Encafuado no seu cubículo com o guião ante os olhos, o ponto é no teatro mais do que a memória de um actor em dificuldades, ele é a frustração de não o ser. Há naquela leitura entre dentes murmurada, a declamação interior que nenhuma audiência ovacionará. No momento em que, na penumbra densa da sala escura, a heroína sucumbe nos lábios do seu galã, visita-o a agonia corrosiva do não estar, a penúria melancólica do não ser. Todas as noites há nele o profundo beijar através de outro, o íntimo sentir as palmas alheias. Voltando a companhia inteira à boca de cena, num rodopiar incessante ante aplausos que trovejam, há, discretas mas inevitáveis, duas lágrimas incontidas que lhe sulcam a cara, contente pelo que não é, feliz pelo que não foi.