11.2.06

A maravilha espectacular

Eis-me a monotonia em forma humana, a ausência de interesse em ver, a abulia no não querer saber, o haver poucos que se interessem e nenhuns que retenham. Da janela deste escritório nocturno faço observatório para o mundo, os olhos a luneta que os amplifica, o cérebro o caleidoscópico que lhe dá a maravilha espectacular que não tem. Esta noite, sem razão, nenhum motivo e total falta de explicação, vim aqui a este caderno de notas iniciar como se num diário, a cantata de um vida por viver. Estou só, e isso traz-me a intimidade de um companhia que desejo. Vindos de longe, na aceleração tresloucada de quem sente o tempo a fugir-lhe na forma de estrada, esvoacejam temíveis automóveis, viaturas de clasura do interminável dever taxista ou do prazer instantâneo na forma disponível de um decotado descapotável. São luzes reflectidas de um chuva que já se foi, a madrugada de um sábado que aí vem. Estivesse eu bêbado de mim, embriagado na ilusão de um futuro, ressacado da frustração de um passado. Mas não, hoje, a partir desta janela, há só presente: a minha presença real e a realidade fingida do que do que pareço ser eu. É um mundo fictício, o ambulante do cortejo basbaque dos que o vêem, o sedentário eu, o desta imobilidade de ser visto.