25.3.09

Uma salva de palmas

Preocupado, o médico tentava apurar a extensão da confusão mental que a doença estava a gerar, progredindo agora quase sem controlo. «Que dia da semana é hoje minha senhora?», perguntou, um sorriso luzidio a convidar à resposta. «Não sei», respondeu ela, sem dar tempo a que o tempo ajudasse a desgastada memória. «Sei que estamos em Março e o meu filho faz anos», foi quanto disse. Momentos antes, sentados ambos, mãe e filho, na salinha de espera, lado a lado, o silêncio a pesar entre eles como uma humidade viscosa, saiu-lhe da boca como um lamento: «Sessenta anos, José António, caramba! Parece que foi ontem». Daqui a pouco telefonará, como todas as vezes antes das oito, fazendo a sua melhor voz, tentando que a amabilidade exprima, com o sentimento do momento, os votos de um dia bem passado. «São só os primeiros sessenta anos, deixa lá», dir-lhe-á ele, tentando ser engraçado, o tom de voz a procurar contribuir para uma salva de palmas.