29.4.06

Morte no asfalto

Um automóvel trucidara-lhe as costelas, esmagara-lhe as pernas, tornara-a naquela massa sanguinolenta, repugnante só de olhar. A esvair-se pelo asfalto, em guinadas violentas, o terror da morte estampado em toda a cena, tentava alcançar a valeta, para ali ficar. Tresloucadas de indiferença, velozes por divertimento, rápidas por conveniência, outras viaturas, passavam e trespassavam, o perigo de um novo embate numa dança louca e homicida, a comoção a doer no coração dos poucos que reparávamos. Foi então, que vinda dos céus, num voo picado, outra pomba, se precipitou sobre ela, e à bicada, raivosa de tão misericordiosa, pôs termo a tanto sofrimento. Se há Deus, era o Espírito Santo. Se há amor, era uma forma assassina de amar. Morreu, enfim, sozinha, como convém a quem morre na miséria total, um dejecto de ser, um resto do que já foi.