20.2.09

Resistência

Conta-se que Calígula tendo condenado um velho a assistir à execução do próprio filho, levou o sadismo a ponto de o convidar para jantar no dia seguinte, compelindo-o então a rir e a brincar. Consta que o velho acedeu. Quem viu não sabia porquê: é que ele tinha um outro filho.
É esta a lição que aprenderam, sem a estudar, os que têm uma outra vida: riem-se da vida que lhes morreu, para que viva a que se lhes segue. O humor estóico não é uma forma de consolo, sim um meio de resistência.

15.2.09

A memória e o esquecimento

Vamos imaginar que estou num local onde não é possível escrever para a blogoesfera, ou num estado de alma onde não me apetece escrever seja o que for. Hoje é domingo. Amanhã o Diário de Notícias vai publicar uma entrevista que o escritor António Lobo Antunes concedeu a João Céu e Silva. Como é que eu sei isso? Porque ante datei este post e assim pareço fazer futurologia. O tempo é como a obra do Lobo Antunes, redondo. Se me distraio o meu amanhã ainda acaba por ser uma forma de esquecer ontem. O mais, é memória e esquecimento. Ao fim da tarde, alguém lembrava na rádio um poema do Jorge Luís Borges: «Ya somos el olvido que seremos. El polvo elemental que nos ignora y que fue el rojo Adán y que es ahoratodos los hombres y los que seremos.».

13.2.09

Amanhã em viagem

Chama-se viajar ao acto de nos colocarmos numa outra dimensão do espaço para imaginarmos uma nova dimensão do tempo. A noite da véspera dá por vezes em insónia, no medo de não acordar, no perigo de passar o tempo e não chegar sequer a novidade do lugar.
O viajante perfeito é uma mala de esperanças e o estremunhado que a carrega. Deitemo-nos, por isso cedo. Se há que viajar amanhã, comece-se desde já só porque ainda é hoje.

6.2.09

A noite

Abriu o breve bilhete e leu: «Abraço-te, no adufe da noite, a querer bailar no imaginário». Amigo, o vento rufou, queridas, as nuvens esconderam-nos.

3.2.09

A salvação do mundo

A irrequietude da sensibilidade nasce da incerteza da existência. Nisso os plácidos vivem tranquilos, a vida pacata. Depois há o chamar-se ao viver mais complexidade do que a necessária. Um poente é na sua singeleza uma totalidade pacífica, contemplá-lo uma forma de reintegração. Tal como nas colónias de formigas, os sacrificados são-no por uma abstracção, o sentido do dever. É isto o máximo de compreensão para quem troca a salvação do mundo por um dia de preguiça.