28.3.08

O romance

Depois de ter escrito um livro de contos, debato-me com a ideia de voltar a escrever um outro livro de contos, por não ser capaz de, em ficção, escrever mais do que livros de contos. «E porque não um romance?», perguntou em tempos o amável editor. Ainda por cima escrever romances, grandes romances porque espessos romances, é o que está a dar.
Esta noite, cansado de nada escrever, a ideia dos contos a matraquear-me a cabeça, o pesadelo do romance impossível, descobri o problema, o não saber como se escreve um romance. Não que os não haja lido e li alguns poucos; sim, porque não entendi nunca como se redigem.
Foi agora mesmo, ao tentar encontrar espaço para um livro antigo, de ensaios literários, que o António Quadros escreveu em 1964 e a que chamou «Crítica e Verdade», que me chegou a fórmula final. Falava ele do Vergílio Ferreira e diz que os seus romances são «filosofia no concreto e romance no abstracto».
Agora é só ser capaz de ter alguma coisa sentida no virtual que consiga dizer no real.

26.3.08

Vida de cão

No dia 10 de Junho de 1913 Wenceslau de Moraes, escreveu uma carta ao Presidente da República Portuguesa, pedindo a sua exoneração dos cargos de oficial de Marinha, de cônsul de Portugal em Hiogo e Osaka, no Japão, desistindo da própria reforma de funcionário, por pretender fixar-se em Tokushima numa situação incompatível talvez mesmo com a sua condição de português.
Tinha 59 anos de idade. Recomeçou a sua vida. Trocou a indumentária de ocidental pelo quimono, calçava uma modestíssimas guettas, alimentava-se frugalmente, honrou o culto dos mortos e o ritual do chá. Em 26 de Junho de 1914 escrevia, atento observador da grandeza das pequenas coisas que «o cão de Tokushima desconhece o uso de festas e carícias; se as recebe, por acaso, não sabe retribui-las; quer comer não quer festas».
Abandonados pelos homens, serão por eles amados um dia, talvez, quando estes, tiverem perdido a fé na sua boa estrela e confiança nos outros homens, seus irmãos.