24.6.07

A grande viagem

Acabei de ler, já o dia se aproximava, «O Bon-Odori em Tokushima», do Wenceslau de Morais. Escrito no lugar que escolheu para morrer, é um «livro de sensações», o diário filosófico e sentimental de um homem que decidiu ser nada no momento em que a vida se lhe acabava e optou por aguardar a grande viagem de regresso naquele belíssimo «poiso de nulidade». Com ele aprendi que «a dor não dura muito, não pode durar muito: a saudade dura sempre». Aprendi, digo bem, pois sabê-lo não é em nada o mesmo que senti-lo. Ao homem a quem não resta a esperança, sobra a saudade: vive assim eternamente!

11.6.07

O homem e o mar

Escreve um homem três linhas logo pela manhã do seu acordar feliz e chega-lhe insólita a noite com o eco de si por companhia. É este real amargo, que anula a esperança, situa a alegria e refreia a ilusão, aquilo a que se chama a vida. Pateta, a carta na mão, ei-lo confiando à mala postal que pesado cargueiro levará pelos mares ao longínquo além, a missiva breve. Hesita no cais. Com ela amarfanhada no bolso regressa a casa. Ao entardecer, há no horizonte o último momento da imagem de um navio a ser devorado pelo mar, no cais a sombra de um homem a ser devorado pela vida.

7.6.07

Quarto com vistas sobre a cidade

Eu às vezes não apareço aqui, não é porque não goste de «dar nas vistas», como com tanta inteligência o conseguiu descobrir, finalmente, um comentador de televisão, daqueles que têm sempre uma opinião zangada sobre todos os assuntos e sobre as pessoas e sobre as todas coisas. É só porque, ao ter-me sentido descoberto, neste meu gosto perverso, o ser objecto do voyeurismo público, deu-me um súbito ataque de timidez. Graças ao bom humor inteligente do MCR, descobriram-me o porquê. E agora, José?